Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/201

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clara mostra de que naquella cavalgada vinha a mais nobre gente de Portugal. Os risos das damas, os dictos galantes o agudos dos fidalgos, o rinchar alegre dos corcéis briosos e dos delicados palafrens, as doudices dos donzeis, que ora correndo á rédea solta, ora soffreando os cavallos ao perpassar pelas mulas pacificas dos cortezãos letrados, os faziam vacillar e debruçar sobre os arções, o bater das asas dos nebris e girifaltes empoleirados nos punhos dos falcoeiros, o latir dos galgos e allãos, que atrellados forcejavam por se atirarem acima daquelles centenares de habitações derrocadas, d’onde saía de vez em quando uma exhalacâo de carniça: este rir, este folgar, este ruído do contentamento, este matiz de reflexos metallicos, de côres variegadas, passando como um turbilhão através daquelle silencio sepulchral, parecia rasgar o veu de tristeza que cobria a vasta área da cidade destruida, e revoca-la a uma nova existencia.

Mas o povo, apesar d’isso, continuava a estar triste.

A cavalgada chegou ao terreiro da sé. Um engenho de arremessar pedras estava assentado no meio delle, e os grossos madeiros de que era construído viam-se ainda manchados de rastos de sangue. Uma dama, que vinha na frente