Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/259

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E Anna Margarida, ama de mestre Affonso Domingues, saiu da porta com a roca ainda na cincta, e o fuso espetado entre o linho e o ourêlo que o apertava. Chegando ao pé do velho, tocou-lhe com o braço, em que elle se firmou, tornando a erguer-se.

“Boas tardes, padre prior:—­disse a ama, fazendo sua mesura, seguida de um lamber de dedos, e de dous puxões nas barbas da estriga quasi fiada.

“Vá na graça do Senhor, filha:—­respondeu Fr. Lourenço, e accresccntou dírigindo-se ao cégo:

“Meu irmão, Deus acceita só ao homem, em desconto da grande divida, a dor calada e soffrida. Resignae-vos na sua divina vontade.”

“Na delle estou eu resignado ha muito: na dos homens é que nunca me resignarei.”

E Anna Margarida, que tinha a cêa ainda ao lume, foi puxando o cégo para a porta de casa.

“Ai, Affonso Domingues, Affonso Domingues! vae-se-te após a vista o siso. Aborrida cousa é a velhice. Não vos parece, Fr. Joanne?”

Isto dizia o prior, voltando-se para o outro frade, que suppunha estaria atraz delle; mas Fr. Joanne tinha desapparecido d’alli manso e manso. Alongando os olhos ao redor de si, Fr.