Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/295

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“Impossivel!?”—­atalhou elrei.—­“E não contava elle com leva-la a effeito, se Deus o não tolhesse dos olhos?”

“E é disso que mais se doe mestre Affonso,”—­interrompeu o prior.—­“A sua grande canseira é que ninguem saberá continuar a edificação do mosteiro, ou, como elle diz, proseguir a escriptura do seu livro de pedra, porque ninguem é capaz de entender o pensamento que o dirigiu na concepção delle.”

“Roncarías e feros são esses proprios de quem foi homem d’armas de Nunalvares:—­disse o chanceller João das Regras.—­Todos os de sua bandeira são como elle. Porque sabem jogar boas lançadas, teem-se em conta de principes dos discretos; e o cégo não se esqueceu ainda de que comeu da caldeira do condestavel.”

João das Regras, emulo de Nunalvares, não perdeu este ensejo de lhe pôr pêcha; mas D. João I que conhecia serem esses dous homens as pedras angulares de seu throno, escutava-os sempre com respeito, salvo quando falavam um do outro; posto que o condestavel, homem mais de obras que de palavras, raras vezes menoscabava os meritos do chanceller, contentando-se com lançar na balança, em que João das Regras mostrava o grande peso da sua penna,