Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/30

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naquella epocha e o perguntasseis nessa cidade de mais de um milhão de habitantes, ninguem vo-lo saberia dizer. Era um mysterio a sua patria, a sua raça, donde viera. Passava a vida pelos cemiterios ou nas mesquitas. Para elle o ardor da canicula, a neve ou as chuvas do inverno eram como se não existissem. Raras vezes se via que não fosse lavado em lagrymas. Fugia das mulheres como de um objecto de horror. O que, porém, o tornava geralmente respeitado, ou antes temido, era o dom de prophecia, o qual ninguem lhe disputava. Mas era um propheta terrivel, porque as suas predicções recahiam unicamente sobre futuros males. No mesmo dia em que nas fronteiras do imperio os christãos faziam alguma correria, ou destruiam alguma povoação, elle annunciava publicamente o successo nas praças de Cordova: qualquer membro da familia numerosa dos Beni-Umeyyas cahia debaixo do punhal de um assassino desconhecido, na mais remota provincia do imperio, ainda das do Moghreb ou Mauritania, na mesma hora, no mesmo instante ás vezes, elle o pranteava redobrando os seus choros habituaes. O terror que inspirava era tal, que no meio do maior tumulto popular a sua presença bastava para tudo caír em mortal silencio. A imaginação exaltada do povo tinha