Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/310

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era obvio: elrei pensou que, assim como a abobada do capitulo desabára da primeira vez, passadas vinte quatro horas depois de desamparada, podia agora derrocar-se em cima dos obreiros no momento de lhe tirarem os prumos e travezes sobre que fôra edificada. Sollicito pela vida de seus vassallos; parente do povo por sua mãe, e crendo por isso que a morte de um popular tambem tinha seu trance de agonia, e que lagrymas de orphãos pobres eram tão amargas, ou porventura mais que as de infantes e senhores, não quiz que se arriscassem senão vidas condemnadas, ou pela guerra, ou pelos tribunaes, e que naquella se tinham remido pela covardia, e nestes pela piedade ou antes esquecimento dos juizes. E se da primeira vez lhe não occorrêra esta idéa, fôra porque tambem na memoria de obreiros portuguezes não havia lembrança de ter desabado uma abobada apenas construida.

Seguido só por dous pagens, D. João I atravessou a villa de Ourem pelas horas mortas do quarto de modorra, e antes do meio-dia apeou-se á portaria do mosteiro.

Os officiaes, que trabalhavam em varios lavores, pelos telheiros e casas ao redor do edificio, viram passar aquelle cavalleiro e os dous pagens, mas não o conheceram: D. João I vinha