Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/223

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externa lá achou, no seu incessante cogitar, uma ponte invisivel para transpôr os abysmos que a fria, coixa e orgulhosa razão humana suppõe existirem, quasi a cada passada, no mundo da intelligencia. Quando o espirito se desata dos corpos; quando a imaginação, depurando o senso intimo, o faz repellir a materia, fechando-se, como a mimosa pudica, á acção grosseira dos sentidos externos, o homem alevanta-se até o viver de além da morte, a luz dos anjos allumia-lhe as profundezas mais obscuras do universo ideal, e elle sabe quaes os caminhos e valles que unem as suas cumiadas brilhantes, unicos pontos que se podem enxergar da terra. O primeiro que disse “em tudo está tudo” teve uma destas revelações da imaginação pura, revelação completa do ideal, que não é mais do que a fusão da variedade absoluta e infinita na infinita e absoluta unidade.

Mas estes momentos, em que somos illuminados pelo sol da vida celestial, passam rapidos: o espirito cahe logo dentro dos limites da sua existencia de provança e desterro, e recordando-se confusamente daquellas inspirações passageiras, sorri-se e chama-lhes sonhos, abusões, desvarios. É que a pobre e suberba razão, myope advogada do lodo e do crepusculo, rejeita com horror as cogitações puras e luminosas,