Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/239

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quando soube ao que elle vinha. Bartholomeu não cabia em si de contente: obrigou a sobrinha a levar atados no avental obra de dous arrateis de farinha para fazer umas raivas, pondo lá o assucar e os ovos, e mandando-lhe metade dellas; e por mais que pae e filha se escusassem de acceitar o seu favor, embirrou, e não houve torcê-lo. Estava naquelle dia capaz de lhes dar de presente metade da sua fortuna, e mais era, dizia elle, um pobre de Christo. Logo que se foram, Bartholomeu deitou a correr para casa, fechou-se no seu quarto, abriu, umas após outras, as vinte gavetas de um contador, mecheu e remecheu em todas ellas, tornou a fechar, e fazendo contas de cabeça, começou a passear de um para outro lado do aposento, com as mãos cruzadas nas costas, e entregue ás suas cogitações.

Os adornos ou guarnição do quarto consistiam em um leito de casados de pau-sancto de pés torneados e cabeceira redonda, thalamo nupcial, agora enluctado pela sempre chorada morte da tia Genoveva da Ventosa, mãe de Manuel da Ventosa, e mulher que fôra do honrado Bartholomeu da Ventosa, que, para falar como os poetas, solitaria rolla (ou rollo ou rolho) naquelle ninho silencioso se encouchava triste nas longas noites de inverno, ai, outr’ora tão