Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/334

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A alvorada assomou, emfim, no oriente: alevantou-se o estrado, e a luz branda do romper do dia veio allumiar o nosso calabouço marinho com uma claridade frouxa e suave. Não esperára debalde em mestre João: o seekoenig concedia-nos o favor de aspirarmos um ambiente puro e livre.

Subi á tolda. O sol surgia como um grande orbe vermelho fluctuante sobre as ondas levemente crespas. No sudoeste uma nuvem negra e ampla parecia firmar-se em pé no horisonte, prolongando os cimos dentados pelas alturas do ceu: era a procella, que fugia varrida pelo nordeste. A superficie enrugada do oceano tinha não sei que semelhante a um gesto humano que sorri. Eu contemplava uma dessas raras alvoradas do navegante, em que no aspecto do mar se lê o nome de Deus, e no sussurro da brisa se escuta o hymno da creação.

Onde estavamos nós? No recife de um ilheu, vizinho das costas de Normandia, cujo nome se me varreu da memoria. A caldeira em que nos achavamos teria tres vezes o comprimento do chasse-marée e ainda menor largura. Olhei para a entrada, e os cabellos eriçaram-se-me ao vê-la. Custava a perceber como o nosso baixel a atravessára sem se fazer em pedaços: era um labyrintho de rochedos agudos quasi indelineavel.