Página:Lourenço - chronica pernambucana (1881).djvu/114

Wikisource, a biblioteca livre

ser deserta e quase virgem. Atualmente vêem-se já por ali casinhas de almocreves, quadras de terra cobertas de roças, partidinhos de canas que alegram a vista e comunicam ao espírito a sua graciosa flutuação iluminada e colorida. Por esse tempo, só se avistavam ali águas, matos e céu, que o verão enchia de limpidez, verdura e azul. Aos olhos de Lourenço, porém, não eram estas tintas oferecidas pelas paisagens feiticeiras. Com o inverno elas haviam tomado feições espessas e sombrias. As águas barrentas, em vários pontos encachoeiradas, enovelando-se com arbustos e pedras, semelhavam terras diluídas por forte ebulição, mostrando todas as fezes e lia deixadas no seu seio pelo curso de muitas idades, as folhagens inclinadas para o chão, quando as águas do céu caíam sobre elas sem sopro de tormenta, ou revoltas e confusas quando a tempestade as açoitava com a sua violenta cólera, apresentavam o semblante de tristeza ou do desespero; o céu cor de cinza tinha comunicativa morbidez que penetrava nos corações ternos. Enfim, longe de despertar pensamentos e sensações gratas, essa região demorada não oferecia ao hóspede perdido no seio dela outros presentes senão o tédio, a ingratidão e a aspereza do deserto.

Ao anoitecer, saindo de uns pauis perigosos, onde quase se havia sumido com o cavalo, ouviu, surpreso, o bater de uma caçula por ali perto. Guiado por este sinal, ganhou um alto onde deu de rosto com