Página:Lourenço - chronica pernambucana (1881).djvu/187

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Por isso, ouvindo as pisadas já ao pé da casa, correu à cozinha em busca de Felícia. Esta não se achava ali, e a porta que dava para fora estava aberta.

Tomada de exaltação momentânea, sem medir a gravidade do passo, a senhora de engenho ganhou o terreiro, resoluta a disputar a presa ao roubador que, valendo-se das trevas e do ermo, viera, com emboscada, despojá-la do último possuído.

Junto da porta estava, de pé, um homem que parecia indagar com as vistas, cautelosamente, se havia alguém dentro. Vendo-o só, a viúva como se cobrara novos ânimos, encaminhou-se apressadamente até onde ele estava e falou-lhe com veemência nervosa:

— Senhor, quero a minha escrava, quero a minha escrava. É o único bem que me resta; todos os mais levaram em nome de el-rei; mas ela, não consentirei que a levem. Preciso de uma escrava para o meu serviço. A justiça deve ser feita com a prata, os brilhantes, os móveis, os bens de raiz e até os santos de que me privou, quando eu deles mais necessitava para minha consolação. Faça de conta que Felícia já não existe, ou anda fuga. A única súplica que faço à justiça de Goiana é que me deixe a minha negra.

Estas palavras foram um raio de luz no espírito do desconhecido que, a modo de espanto e confuso, nenhuma palavra dirigira à agoniada senhora. Em lugar de afastar-se correu para ela, como quem queria tomá-la nos braços.