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cordas de uma lira ainda não dedilhada. Essas primeiras impressões são tão ricas de sentimento, que nunca o espírito penetra nelas sem achar uma melodia arrebatadora, mais viva e mais brilhante, à medida que o homem declina para a velhice. É natural que eu falasse com animação e entusiasmo. Lúcia cerrara as pálpebras para ouvir-me, e embalada pelas minhas palavras pareceu ir adormecendo insensivelmente. Calei-me, admirando com respeitosa ternura o rosto puro e cândido que entre a alvura do linho e no repouso das paixões tomara uma diáfana limpidez.

Meus lábios roçaram apenas a tez mimosa, tanto eu receava manchar com o hálito a flor dessa alma, que se abria na sombra e no silêncio, como o cacto selvagem de nossos campos. Nesse momento Lúcia ergueu as pálpebras, e seu olhar vago, já nublado pelo sono, afagou-me docemente.

— Foi o dia mais feliz da minha vida! murmurou ela com a voz quase imperceptível.

Ainda hoje não posso compreender que força misteriosa me obrigou a respeitar um dia inteiro essa mulher, que eu possuíra, e ainda apertava nos meus braços, recebendo a carícia de seu lábio amante.

Chegando a casa, e na ocasião de dar o dinheiro para as compras, conheci que Lúcia tinha-me enganado: a soma que eu possuía estava intata.

E contudo a minha suscetibilidade extrema emudeceu nesse momento. Não sei que voz interior me disse que Lúcia tinha o direito de fazer aquilo, e eu a obrigação de respeitar a sua vontade e agradecer-lhe.

O que outrora me parecia vileza, era já delicada atenção.