deixar que penetre nela. Veja se compreende: eu não posso.
— Mas devias sentir alguma coisa ?
— Sentia a morte que me invadia o corpo, enquanto eu vivia dentro dele sofrendo torturas horríveis. Se eu tivesse ainda minha mãe expirante diante de meus olhos, amaldiçoando-me no seu último soluço; se por algum crime infame me açoitassem nua pelas ruas, cuspindo-me às faces no meio das vaias do povo, creio que não sentiria o que sinto nesses momentos. Por que razão?
— Entretanto houve um tempo em que, se não me engano, tu eras feliz como eu do prazer que me davas.
— É verdade! Esse tempo foi uma eternidade de delícias para mim; desejava até, louca que eu era! . . . desejava que fosse possível morrermos assim um no outro... uma só vida extinguindo-se num só corpo! Mas passou!... Devia passar.
— Por quê?
— Não sei!... Quando me lembro...
Tornou-se lívida; a voz encobriu-se:
— Quando me lembro, que um filho pode gerar das minhas entranhas, tenho horror de mim mesma!
— Não digas isso, Lúcia! Que mulher não deseja gozar desse sublime sentimento da maternidade!
— Oh! Um filho, se Deus mo desse, seria o perdão da minha culpa ! Mas sinto que ele não poderia viver no meu seio! Eu o mataria, eu, depois de o ter concebido!
Não compreendia esse fenômeno; ainda hoje não o posso explicar senão por alguma das misteriosas afinidades do corpo com o espírito que o habita.
— Mas que importa? continuou Lúcia. Aquelas delícias passadas não valem a felicidade que eu sinto