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Como impelida por um choque elétrico, Lúcia ergueu-se galvanizada por súbita e violenta recordação.

— Ainda vejo! As melhoras foram aparentes! Meus dois irmãos acabavam de expirar, minha tia entrava na agonia, minha mãe tivera um novo acesso. Felizmente já meu pai estava em convalescença, e saiu para tratar do enterro. Ele não tinha dinheiro, apresentei-lhe as últimas moedas de ouro que me restavam. «Quem te deu este dinheiro?. . . Roubaste?. . .» Contei-lhe tudo; tudo que eu sabia na minha inocência. Ele compreendeu o resto. Expulsou-me!

— A ti que lhe salvaste a vida?

— Meu pai julgava que eu tinha um amante e iria viver com ele! A não ser assim, exporia sua filha a morrer de fome? Saí de casa. O único ente que me sorriu e me abraçou por despedida foi o anjinho que Deus me dera por irmã e conforto. Sentei-me na calçada. Era bastante tarde já, quando uma mulher que se recolhia me perguntou o que fazia ali àquelas horas. «Perdi meu pai e minha mãe, respondi, não tenho onde viver». Jesuína... Era ela... levou-me consigo. Não me esqueci dos meus. A forca de rogos e instâncias Jesuína mandava constantemente à casa saber notícias e levar os socorros necessários: nada faltou, nem médico, nem enfermeiros. A paz voltou enfim; e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã. Jesuína, o senhor adivinha o que foi ela, tinha posto um preço aos seus serviços; não sei se a primeira humilhação custou mais do que a segunda; mas o sacrifício devia se consumar, porque não tive mão que me amparasse. A minha felicidade estava