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Ao despedir-me nessa noite Lúcia, como para dar-me uma prova da sua sinceridade, disse-me:

— Paulo, traze-me amanhã quando vieres uma caixinha sortida de linhas e agulhas.

Era uma ninharia; mas era a primeira coisa de valor pecuniário que ela me pedia.

Essa vida calma e tranqüila, remanso de uma existência tão agitada, durava cerca de um mês. Nada perturbava a serenidade de Lúcia. Parecia realmente que sua alma cândida, muito tempo adormecida na crisálida, acordara por fim, e continuara a mocidade interrompida por um longo e profundo letargo. Lúcia tinha então 19 anos; mas o seu coração puro e virgem tinha apenas a idade do botão de rosa na manhã do dia em que deve florescer, ou a idade do casulo quando a ninfa vai fendê-lo, desfraldando as tenras asas.

Como as aves de arribação, que tornando ao ninho abandonado, trazem ainda nas asas o aroma das árvores exóticas em que pousaram nas remotas regiões, Lúcia conservava do mundo a elegância e a distinção que se tinham por assim dizer impresso e gravado na sua pessoa. Fora disto, ninguém diria que essa maca vivera algum tempo numa sociedade livre. As suas idéias tinham a ingenuidade dos quinze anos; e às vezes ela me parecia mais infantil, mais inocente do que Ana com toda a sua pureza e ignorância.

Talvez a senhora julgue isso impossível; mas é a verdade. Se não fosse a originalidade dessa fase de uma vida que em quatro meses passara aos meus olhos por tão profunda revolução, não teria nada que lhe contar, e não valeria a pena revolver o rescaldo de minhas reminiscências.

Quis pintar-lhe o que vi: a incubação de uma