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jumenta ciosa que se precipita pelo campo, mordendo os cavalos para despertar-lhes o tardo apetite.

Contudo, passado o primeiro assomo, achei em minha alma, talvez mais piedade do que indignação. Lembrei-me do que Lúcia me tinha dito ao ouvido, da entonação áspera de sua voz, do estrépito nervoso de seu riso, e tive dó dessa moça. Que motivo a obrigava a descer tão baixo? Não era a cupidez, não; apesar de quanto me dissera o Cunha no teatro, havia naquela mulher um quer que seja, que revelava à primeira vista a nobreza do caráter. Devia de ser a depravação; mas a depravação como ainda não tinha encontrado, que se violentava, em vez de comprazer-se nos seus excessos.

Uma curiosidade irresistível me aproximara da porta que ficara entreaberta.

Lúcia, trançando a sua longa manta listrada de escarlate, que a envolveu como um pálio romano, voltara ao seu lugar e amolgara sobre a cadeira um corpo sem articulações. Os aplausos e a ruidosa grita continuavam no meio do fogo rolante de ditos licenciosos. Passado um instante ela ergueu a cabeça, e seu olhar embaciado circulou, indo lentamente de um a outro conviva.

— Quem estava aqui? balbuciou indicando o lugar que eu havia deixado.

— Já perdeste a memória? Bom sinal!

— Era eu, Lúcia! Não te lembras! disse o Couto.

— Mas havia alguém aqui?

— Não te inquietes!. . . Paulo foi tomar ares no jardim. Já volta.

— E se não voltar..., disse o Couto esticando-se na sua pretensiosa reticência.

— Era ele!... exclamou Lúcia rindo às gargalhadas.