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das torpezas em que rojou, a irritabilidade de desejos que a devoram e que não pode satisfazer; nestas ocasiões tem suas veleidades de arrependimento; a consciência solta ainda um grito fraco; a cortesã revolta-se contra si mesma. Isso passa no dia seguinte. Eis o que é Lúcia; daqui a algum tempo o hábito fará dela o mesmo que tem feito das outras: envelhecerá o corpo, como já envelheceu a alma.

Sá me ouviu rindo à socapa e com malícia:

— Pois já que a compreendeste tão bem, explica-me isto.

E apresentou-me uma carta aberta, que ao tirar do sobrescrito deixou cair algumas notas do banco. Era de Lúcia, e dizia:

«O senhor enganou-se. Sou eu que lhe devo, e tanto, que não lho poderei pagar nunca.:,

Senti lendo esta carta um bem-estar inexprimível.

— Que dizes? perguntou Sá.-Digo que ela fez o que devia.-Talvez por conselho teu?

— Afirmo-te que não sabia disto; e que soubesse, bem se importa Lúcia com os meus conselhos. Seguiu o seu próprio impulso; arrependeu-se do que fez; e te agradece a lição. Nada mais natural.

Sá olhou-me um instante:

— Somos ambos moços, Paulo; porém sou mais velho três anos de idade, e oito anos de Rio de Janeiro. A corte é um país onde se envelhece depressa; por isso não te admires se falo como um homem de cinqüenta anos. Queres te divertir: é justo, é mesmo necessário; porém não tomes Lúcia ao sério.

— Não te entendo!

— Sabes que terrível coisa é uma cortesã,