Página:Machado de Assis - Critica.djvu/139

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Celso Júnior; a comoção e a graça. Vimos o "Esboço", e "Flauta" não é menos significativa. Verdadeiramente não cabe a esta composição o nome de quadro, mas de poema, — poema à moderna; há ali mais do que um momento e uma perspectiva; há uma historia, uma ação. Um operário viúvo possuía uma flauta, que lhe servia a esquecer os inales da vida e adormecer a filha que lhe ficara do matrimônio. Escasseia, entretanto, o trabalho; entra em casa a penúria e a fome; o operário vai empenhando, às ocultas, tudo o que possui, e o dinheiro que pode apurar entrega-o à filha, como se fosse salário; a flauta era a confidente única de suas privações. Mas o mal cresce; tudo está empenhado; até que um dia, sem nenhum outro recurso, sai o operário e volta com um jantar. A filha, que a fome abatera, recebe-o alegre e satisfaz a natureza; depois pede ao pai que lhe toque a flauta, segundo costumava; o pai confessa-lhe soluçando que a vendera para lhe conservar a vida. Tal é esse poema singelo e dramático, em que há boa e verdadeira poesia. Nenhum outro é mais feliz do que esse. Assim como o "Esboço" tem por assunto um amor de pai, a "Cena Vulgar" consagra a dor materna; e seria tão acabado como o outro, se fora mais curto. A idéia é demasiado tênue, e demasiado breve a ação, para as três páginas que