Página:Machado de Assis - Critica.djvu/147

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Por que não há de o poeta empregar sempre a mesma arte de que nos dá exemplo na descrição dos ferreiros trabalhando, com o "luar sangüíneo dos carvões e esbater-se-lhes no rosto bronzeado"?

Para conhecer bem a origem das idéias deste livro, melhor direi a atmosfera intelectual do autor, basta ler os "Dois Edifícios". É quase meio-dia; encostado ao gradil de uma cadeia está um velho assassino, a olhar para fora; há uma escola defronte. Ao bater a sineta da escola saem as crianças alegres e saltando confusamente; o velho assassino contempla-as e murmura com voz amargurada: "Eu nunca soube ler!" Quer o Sr. Valentim Magalhães que lhe diga? Essa idéia, a que emprestou alguns belos versos, não tem por si nem a verdade nem a verossimilhança; é um lugar-comum, que já a escola hugoísta nos metrificava há muitos anos. Hoje está bastante desacreditada. Não a aceita Littré, como panacéia infalível e universal; Spencer reconhece na instrução um papel concomitante na moralidade, e nada mais. Se não é rigorosamente verdadeira, é de todo o ponto inverossímil a idéia do poeta; a expressão final, a moralidade do conto, não é do assassino, mas uma reflexão que o poeta lhe empresta. Quanto à forma, nenhuma outra página deste livro manifesta melhor a influência