Página:Machado de Assis - Teatro.djvu/192

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O tempo, e eu passei de invadido a invasor! Lei das compensações! Então, era eu senhor; Tinha o poder nas mãos, e o universo a meus pés. Hoje, como um mortal, de revés em revés, Busco por conquistar o posto soberano. Bem me dizias, Momo, o coração humano Devia ter aberta uma porta, por onde Lêssemos, como em livro, o que lá dentro esconde. Demais, dando juízo ao homem, esqueci-me De completar a obra e fazê-la sublime. Que vale esse juízo? Inquieto e vacilante, Como perdida nau sobre um mar inconstante, O homem sem razão cede nos movimentos A todas as paixões, como a todos os ventos. É o escravo da moda e o brinco do capricho. Presunçoso senhor dos bichos, este bicho Nem ao menos imita os bichos seus escravos. Sempre do mesmo modo, ó abelha, os teus favos Destilas. Sempre o mesmo, ó castor exemplar, Sabes a casa erguer junto às ribas do mar. Ainda hoje, empregando as mesmas leis antigas, Viveis no vosso chão, ó próvidas formigas. Andorinhas do céu, tendes ainda a missão De serdes, findo o inverno, as núncias do verão. Só tu, homem incerto e altivo, não procuras Da vasta criação estas lições tão puras... Corres hoje a Paris, como a Atenas outrora; A sombria Cartago é a Londres de agora. Ah! Pudesses tornar ao teu estado antigo!