Página:Marános, Teixeira de Pascoaes, 1920.djvu/26

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Diaphana atitude harmoniosa
Subia para o sol da terra escura,
N'um impeto tão firme e embrandecido,
Que era uma estatua em marmore e ternura.


E Marános julgou que regressára,
Com a luz da manhã, a bela Imagem
Que a Noite, para longe, lhe levara;
Mas logo viu que tinha ao pé de si
Corpo vivo e sensivel, e que um ventre
O concebêra em ancias de pecado
E de prazer divino, e o déra á luz
Do mundo ... E então lhe disse deslumbrado:


«Ó linda Flôr dramatica e animal!
Eva, filha do Amôr, em ti saúdo
O divino pecado original
E a Dôr que multiplica as creaturas!
És a Mulher, a Sombra primitiva
Que deu á luz gritando a luz do sol!
O beijo da Creação, a Estrela viva,
A alegria dos Homens e dos Deuses.
O sangue espiritual da Natureza
Percorre as tuas veias, florescendo
Em sympathia e candida beleza
Á superficie virgem do teu rosto;
E depois, tua fronte emoldurando,
Tornou-se negro, esparso ... e é teu cabelo.
E seus fios remotos vão prender-se
Á estrela d'alva, ao sol, ao sete-estrêlo!
Porque a tua beleza esclarecida

Não termina em teu rosto, e se prolonga,