Página:Memoria justificativa do desembargador da relação da Bahia (hoje do Porto) João Carlos Leitão.pdf/18

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Esta lição aprendida de hum tal Mestre prosperou como em terreno já por outros preparado, util aproveitamento, e não tardou em vingar fructo; porque, tendo eu algumas toadas de que a Junta Provisional se lembrava de me fazer effectivo na Relação, então muito carecida de Ministros, manejei toda a arte das attenções, e civilidades, e até me sujeitei a acceitar a arriscada diligencia de ir tirar certa Devassa ao Certão do Rio de Contas na distancia de noventa e quatro leguas, só para ganhar o meio de cumprir as Reaes Ordens. Taes erão os tempos! Que espantoso desandamento!

Cumpridos os Regios Diplomas, e verificada a posse de Desembargador (o que não foi pequena victoria), tractei de retirar-me prestesmente de huma Cidade, cujo estado desordenado, e convulsivo ameaçava a cada instante horriveis irrupções. Eu via, quando sahia a dependencias de minha viagem, o povo de varias cores formigando em coroas pelas ruas com alegria feroz, e altercando com descomedida vozearia sobre a nova ordem das cousas; e claramente percebia a huns já concertarem denuncias, e prizões, e a outros idearem projectos de Refórmas, Capituladas contra Magistrados, abolição de alguns Empregos, e Tributos; e a todos interpretando a seu geito a nova Constituição ainda não existente, e pertendendo já antecipar-lhe a execução. Recolhia-me horrorisado, e descobria toda a exactidão da verdade na Sentença de Herodoto =

Turba imperita nullum majus est malum.

Deixada alfim a Cidade, mas não a lembrança do que nella vira, entrei de subir o montuoso Certão do Rio de Contas, e fui notando já por todo elle o rasto das chammas revolucionarias. E que devia eu esperar em taes tempos de huma Villa ha tantos annos infamada de crimes, e revoltas, e sempre lacerada de intrigas, e Partidos? Pungido de