Página:Memorias de um sargento de milicias.djvu/204

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— Ora é verdade, sente-se para cá que temos contas que ajustar...

— Contas!...

— E muito compridas, começo por dizer, acrescentou D. Maria, que não parecia estar nesta ocasião de muito bom humor; começo por dizer-lhe mesmo na bochecha que quando for à confissão este ano trate de desobrigar-se de um grande pecado que cometeu.

— E eu que já não tenho poucos: mas então o que é?

— É um aleive, senhora, um aleive muito grande que levantou a pessoa que tal não merecia.

A comadre não precisou de mais nada para conhecer onde é que tudo aquilo ia parar; o aleive mais moderno de que a acusava a sua consciência bem sabia ela qual era. Começou a ver tudo claro como o dia; viu José Manuel justificado completamente aos olhos de D. Maria a respeito da história do roubo da moça no Oratório de Pedra, e viu também como medianeiro dessa justificação o cego mestre-de-reza. Ficou pois visivelmente incomodada; volvia-se de um para outro lado, como se estivesse cheia de espinhos a banquinha em que estava sentada, e teve um forte acesso de tosse quando D. Maria acabou de pronunciar aquelas últimas palavras.

— Tudo quanto me disse a respeito de José Manuel naquela história do roubo da moça, continuou D. Maria fazendo-se vermelha, o que era nela mau sinal, é falso, e muito falso. Sei isto de parte muito certa...

Novo acesso de tosse acometeu a comadre.