Página:Memorias de um sargento de milicias.djvu/28

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O menino ouviu este discurso com um ar meio admirado, meio desgostoso, e respondeu:

— Então eu não hei de ir mais ao quintal, nem hei de brincar na porta?

— Aos domingos, quando voltarmos da missa...

— Ora, eu não gosto da missa.

O padrinho não gostou da resposta; não era bom anúncio para quem se destinava a ser padre; mas nem por isso perdeu as esperanças.

O menino tomou bem sentido nestas palavras do padrinho: "Farte-se de travessuras por este resto da semana", e acreditou que aquilo era uma licença ampla para fazer tudo quanto de bom e de mau lhe lembrasse durante o tempo que ainda lhe restava de folga. Levou pois todo o dia em uma desenvoltura assustadora; o padrinho foi achá-lo por duas ou três vezes a cavalo em cima do muro que dividia o quintal da casa do vizinho, em grande risco de precipitar-se.

Ao anoitecer, estando sentado à porta da loja, viu ao longe no princípio da rua um acompanhamento alumiado pela luz de lanternas e tochas, e ouviu padres a rezarem; estremeceu de alegria e pôs-se em pé de um salto. Era a via-sacra do Bom Jesus.

Há bem pouco tempo que existiam ainda em certas ruas desta cidade cruzes negras pregadas pelas paredes de espaço em espaço.

Às quartas-feiras e em outros dias da semana saía do Bom Jesus e de outras igrejas uma espécie de procissão composta de alguns padres conduzindo cruzes, irmãos de algumas irmandades com lanternas, e povo em grande quantidade; os padres rezavam e o povo acompanhava a reza. Em cada cruz parava o acompanhamento, ajoelhavam-se todos, e oravam