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NEGRINHA

sempre nos mesmos tons o anno inteiro, encantava sobremodo vel-a de subito mudar, e vestir-se dum esplensoroso véo de noiva — noiva da morte, ai !...

Por algum tempo caminhei a esmo, arrastado pelo esplendor da scena. O maravilhoso quadro de sonho breve morreria, apagado da tela pela esponja de ouro do sol. Já pelos topes, e faces de batedeira, andavam os raios na faina de restaurar a verdura. Abriam manchas verdes no branco da geada, dilatavam-nas, entremostrando nesgas do verde submerso.[1]

Só nas baixadas, encostas noruegas ou sitios sombreados pelas arvores, a brancura persistia ainda, contrastando sua nitida frialdade com os tons quentes resurrectos. Vencera a vida, guiada pelo sol. Mas a intervenção do fogoso Phebo, apressada de mais, transformára em desastre horroroso a nevada daquelle anno — a maior de quantas deixaram marca nas embaúbeiras de São Paulo. A resurreição do verde fôra apparente. Estava morta a vegetação. Dias depois, por toda a parte, a vestimenta do solo era um burel immenso, onde a sepia exhibia a gramma inteira dos seus tons reseccos. Pontilhava-o apenas, cá e lá, o verde sujo dos eucalyptos, o invencivel verde-negro das laranjeiras e o esmeraldino sem vergonha da vassourinha.

Quando regressei, sol já alto, estava a casa retransida no pavor das grandes catastrophes. Só então me acudiu que o bello espectaculo

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