Página:O Brasil Holandês sob o Conde João Maurício de Nassau, 1940.pdf/27

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permite, pois nêles a ambição é condenada pela liberalidade, e a sovinice pela magnificência, e a vulgaridade da mercancia é compensada pela aprovação dos governantes e pelo respeito do povo. Não vivemos em uma monarquia, mas numa república aristocrática, onde, por serem menos numerosos os nobres, assumem a governança os cidadãos mais honrados, muitos dos quais dados à vida comercial. Como os venezianos, florentinos, genoveses, crescemos também nós pelo comércio. A quem disso duvidasse, aí estão para o provar as imensas riquezas assim de particulares, como de cidades, sobretudo marítimas, cujos perímetros mais de uma vez já se alargaram. Portanto, não reputamos injusto obtermos o ouro mediante guerras legítimas, nem espantoso buscarmo-lo pelos mares em fora, nem vergonhoso ganharmo-lo comerciando, nem desagradável tomàrmo-lo ao inimigo.

Importância da navegação da Índia O fato seguinte exprime bem a grande importância que o rei da Espanha dava às nossas expedições para a Índia. Discutindo-se o tratado das tréguas, nada reclamaram os embaixadores espanhóis com maior empenho que o abstermo-nos de relações comerciais com os indianos, para que, só com a esperança disto, se pudesse acreditar que ele renunciava seus direitos sôbre os Países Baixos, onde a realeza já era uma ficção, e nos tratava como províncias independentes. Já antes, Felipe II, encanecido no ofício de reinar, reservara para si, como um segredo de domínio, a navegação da Îndia; porquanto, transferindo para sua filha, a infanta Clara Isabel, que ia casar com o arquiduque Alberto d’Austria, as províncias neerlandesas, vedou expressamente que, de modo algum, nem ela, nem o arquiduque, nem seus sucessores mantivessem quaisquer relações mercantís com os povos da India Oriental ou da Ocidental, nem as permitissem aos seus súditos. Se procedessem de outra forma, seriam privados do seu domínio sôbre os Países Baixos, conforme declara, em têrmos claros, o solene instrumento de cessão.

Ninguém melhor que os inimigos sabe quanta fôrça, grandeza e prestígio deu à nossa República o trato das Índias Orientais e quanto perdeu com isto a coroa espanhola. Muitas vezes aprenderam, à custa de ingentes prejuízos, da pilhagem de suas naus, da perda de suas fortalezas, o que pode, com o denôdo marcial, a fôrça naval de batavos.