Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/131

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a chuva cessara; o piar das corujas na Misericórdia cortava só o silêncio.

Enterneceu-se, então, com aquela escuridão, aquela mudez de vila adormecida. E sentiu subir outra vez, das profundidades do seu ser, o amor que sentira ao princípio por ela, muito puro, dum sentimentalismo devoto: via a sua linda cabeça, duma beleza transfigurada e luminosa, destacar da negrura espessa do ar; e toda a sua alma foi para ela num desfalecimento de adoração, como no culto a Maria e na Saudação Angélica; pediu-lhe perdão ansiosamente de a ter ofendido; disse-lhe alto: És uma santa, perdoa! — Foi um momento muito doce, de renunciamento carnal...

E, espantado quase daquelas delicadezas de sensibilidade que descobria subitamente em si, pôs-se a pensar com saudade — que se fosse um homem livre seria um marido tão bom! Amorável, delicado, dengueiro, sempre de joelhos, todo de adorações! Como amaria o seu filho, muito pequerruchinho, a puxar-lhe as barbas! À idéia daquelas felicidades inacessíveis, os olhos arrasaram-se-lhe de lágrimas. Amaldiçoou, num desespero, "a pega da marquesa que o fizera padre", e o bispo que o confirmara!

— Perderam-me! perderam-me! dizia, um pouco desvairado.

Sentiu então os passos de João Eduardo que descia, e o rumor das saias de Amélia. Correu a espreitar pela fechadura, cravando os dentes no beiço, de ciúme. A cancela bateu, Amélia subiu cantarolando baixo.

— Mas a sensação do amor místico que o penetrara um momento, olhando a noite, passara; e deitou-se, com um desejo furioso dela e dos seus beijos.