Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/168

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e um tédio tão negro da vida, que, com a sua natureza lassa, teve vontade de se encolher a um canto e ficar ali a morrer!

Parava no meio do quarto, punha-se a olhar em redor: a cama era de ferro, pequena, com um colchão duro e uma coberta vermelha; o espelho com o aço gasto luzia sobre a mesa; como não havia lavatório, a bacia e o jarro, com um bocadinho de sabonete, estavam sobre o poial da janela; tudo ali cheirava a mofo; e fora, na rua negra, caia sem cessar a chuva triste. Que existência! E seria sempre assim!...

Desesperou-se então contra Amélia: acusou-a, com o punho fechado, das comodidades que perdera, da falta de mobília, da despesa que ia ter, da solidão que o regelava! Se fosse mulher de coração devia ter vindo ao seu quarto, dizer-lhe: Sr. padre Amaro, para que sai de casa? Eu não estou zangada! - Porque enfim quem irritara o seu desejo? Ela, com as suas maneirinhas temas, os seus olhinhos adocicados! Mas não, deixara-o ema. lar a roupa, descer a escada, sem uma palavra amiga, indo tocar com estrondo a valsa do Beijo!

Jurou então não voltar a casa da S. Joaneira. E, a grandes passadas pelo quarto, pensava - no que havia de fazer para humilhar Amélia. Q quê? Desprezá-la como uma cadela! Ganhar influência na sociedade devota de Leiria, ser muito do senhor chantre: afastar da Rua da Misericórdia o cônego e as Gansosos; intrigar com as senhoras da boa roda para que se afastassem dela, com secura, no altar-mor, à missa do domingo; dar a entender que a mãe era uma prostituta... Enterrá-la!