Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/170

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subia pela curva da perna até ao seio, percorrendo belezas que suspeitava... O que ele gostava daquela maldita! E era impossível obtê-la! E todo o homem feio e estúpido podia ir à Rua da Misericórdia, pedi-la à mãe, vir à Sé dizer-lhe: "Senhor pároco, case-me com esta mulher", e beijar, sob a proteção da Igreja e do Estado, aqueles braços e aquele peito! Ele não. Era padre! Fora aquela infernal pega da marquesa de Alegros!...

Abominava então todo o mundo secular - por lhe ter perdido para sempre os privilégios: e como o sacerdócio o excluía da participação nos prazeres humanos e sociais, refugiava-se, em compensação, na idéia da superioridade espiritual que lhe dava sobre os homens. Aquele miserável escrevente podia casar e possuir a rapariga - mas que era ele em comparação dum pároco a quem Deus conferia o poder supremo de distribuir o Céu e o Inferno?... - E repastava-se deste sentimento, enchendo o espírito de orgulhos sacerdotais. Mas vinha-lhe bem depressa a desconsoladora idéia que esse domínio só era válido na região abstrata das almas; nunca o poderia manifestar, por atos triunfantes, em plena sociedade. Era um Deus dentro da Sé - mas apenas saia para o largo, era apenas um plebeu obscuro. Um mundo irreligioso reduzira toda a ação sacerdotal a uma mesquinha influência sobre almas de beatas... E era isto que lamentava, esta diminuição social da Igreja, esta mutilação do poder eclesiástico, limitado ao espiritual, sem direito sobre o corpo, a vida e a riqueza dos homens... O que lhe faltava era a autoridade dos tempos em que a Igreja era a nação e o pároco dono temporal do rebanho. Que lhe importava,