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Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/180

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não correr pelas ruas de batina. Entrou no quarto, sentou-se aos pés da cama, e ali ficou saturado de felicidade, como um pardal muito farto num raio de sol muito quente: recordava o rosto de Amélia, a redondeza dos seus ombros, a beleza dos encontros, as palavras que lhe dissera: - Tenho estado como doida! A certeza de que "a rapariga gostava dele" entrou-lhe então na alma com a violência de uma rajada, e ficou a sussurrar por todos os recantos do seu ser com um murmúrio melodioso de felicidades agitadas. E passeava pelo quarto com passadas de côvado, estendendo os braços, desejando a posse imediata do seu corpo: sentia um orgulho prodigioso: ia defronte ao espelho altear a arca do peito, como se o mundo fosse um pedestal expresso que só o sustentasse a ele! Mal pôde jantar. Com que impaciência desejava a noite! A tarde clareava; a cada momento tirava o seu cebolão de prata, indo olhar à janela, com irritação, a claridade do dia que se arrastava devagar no horizonte. Engraxou ele mesmo os seus sapatos, lustrou o cabelo de banha. E antes de sair rezou cuidadosamente o seu Breviário - porque, em presença daquele amor adquirido, viera-lhe um susto supersticioso que Deus ou os santos escandalizados o viessem perturbar; e não queria, com desleixos de devoção, dar-lhes razão de queixa.

Ao entrar na rua de Amélia o coração bateu-lhe tão forte que teve de parar, sufocado; pareceu-lhe melodioso o piar das corujas na velha Misericórdia, que há tantas semanas não ouvia.

Que admiração quando ela apareceu na sala de jantar!