Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/290

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devo-lhe esse favor. Apenas soube veio-me logo dizer a casa, pedir-me conselhos... Enfim, muito atencioso.

Mas o Carlos apareceu de novo. Tinha a botica desembaraçada um momento (que não o tinham deixado respirar toda a manhã!) e vinha fazer companhia às senhoras.

— Então já sabe, Sr. Carlos, exclamou logo D. Josefa, o caso do Comunicado e do João Eduardo?

O farmacêutico arregalou os seus olhos redondos. Que relação havia entre um artigo tão indigno, e esse mancebo que lhe parecia honesto?

— Honesto? ganiu a Sra. D. Josefa Dias. Foi ele que o escreveu, Sr. Carlos!

E vendo o Carlos morder o beiço de surpresa, D. Josefa, entusiasmada, repetiu a história da "maroteira".

— Que lhe parece, Sr. Carlos, que lhe parece?

O farmacêutico deu a sua opinião, numa voz vagarosa, sobrecarregada da autoridade dum vasto entendimento:

— Nesse caso digo, e todas as pessoas de bem o dirão comigo, é uma vergonha para Leiria. Eu já tinha observado, quando li o Comunicado: a religião é a base da sociedade, e miná-la é, por assim dizer, querer aluir o edifício... É uma desgraça que haja na cidade desses sectários do materialismo e da república, que, como é sabido, querem destruir tudo o que existe; proclamam que os homens e as mulheres se devem unir com a promiscuidade de cães e cadelas... (Desculpem exprimir-me assim, mas a ciência é a ciência.) Querem ter o direito de entrar em minha casa, levar- me as pratas