Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/304

Wikisource, a biblioteca livre

ele, pobre escrevente de cartório, contra o padre Amaro que tinha por si o clero, o chantre, o cabido, os bispos, o papa, classe solidária e compacta que lhe aparecia como uma medonha cidadela de bronze erguendo- se até ao céu! Eram eles que tinham causado a resolução de Amélia, a sua carta, a dureza das suas palavras. Era uma intriga de párocos, cônegos e beatas. Se ele pudesse arrancá-la àquela influência, ela tomaria a ser bem depressa a sua Ameliazinha que lhe bordava chinelas, e que vinha toda corada vê-lo passar à janela! As suspeitas que outrora tivera tinham-se desvanecido naqueles serões felizes, depois de decidido o casamento, quando ela, costurando junto do candeeiro, falava da mobília que havia de comprar e dos arranjos da sua casinha. Ela amava-o, decerto... Mas quê, tinham- lhe dito que ele era o autor do Comunicado, que era herege, que tinha costumes devassos; o pároco, na sua voz pedante, ameaçara-a com o Inferno; o cônego, furioso, e todo-poderoso na Rua da Misericórdia porque dava para a panela, falara teso - e a pobre menina, assustada, dominada, com aquele bando tenebroso de padres e de beatas a cochicharem-lhe ao ouvido, coitada, cedera! Estava talvez persuadida, de boa-fé, que ele era uma fera! E àquela hora, enquanto ele ali andava pelas ruas, escorraçado e desgraçado, o padre Amaro, na saleta da Rua da Misericórdia, enterrado na poltrona, senhor da casa e senhor da rapariga, de pema traçada, palrava de alto! Canalha! E não haver leis que o vingassem! E não poder sequer "fazer escândalo", agora que a Voz do Distrito se lhe tomava inacessível!

Vinham-lhe então desejos furiosos de demolir o