Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/372

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ali caía do Cristo presente, e atirava-a depois com um gesto largo de caridade por toda a nave, por sobre o estendal de lenços brancos de cabeça, até ao fundo onde os homens do campo muito apertados, de varapau na mão, pasmavam para a cintilação do sacrário! Era então que Amélia o amava mais, pensando que aquelas mãos abençoadoras lhas apertava ela core paixão por baixo da mesa do quino: aquela voz, com que ele lhe chamava filhinha, recitava agora as orações inefáveis, e parecia-lhe melhor que o gemer das rabecas, revolvia-a mais que os graves do órgão! Imaginava com orgulho que todas as senhoras decerto o admiravam também; mas só tinha ciúmes, um ciúme de devota que sente os encantos do Céu, quando ele ficava diante do altar, na posição estática que manda o ritual, tão imóvel como se a sua alma se tivesse remontado longe, para as alturas, para o Eterno e para o Insensível. Preferia-o, por o sentir mais humano e mais acessível, quando, durante o Kyrie ou a leitura da Epistola, ele se sentava com os diáconos no banco de damasco vermelho; ela queria então atrair-lhe um olhar; mas o senhor pároco permanecia de olhos baixos, numa compostura modesta.

Amélia, sentada sobre os calcanhares, com a face banhada num sorriso, admirava-lhe o perfil, a cabeça bem-feita, os paramentos dourados - e lembrava-se quando o vira a primeira vez descendo a escada da Rua da Misericórdia, com o seu cigarro na mão. Que romance se passara desde essa noite! Recordava o Morenal, o salto do valado, a cena da morte da titi, aquele beijo ao pé da lareira... Ai, como acabaria tudo aquilo? Queria