Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/455

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mesmo em Lisboa, mesmo nas fidalgas!... Tinha pieguices, sim, mas era não as tomar a sério, e gozar enquanto era novo!

E gozava. A sua vida por todos os lados tinha confortos e doçuras - como uma destas salas onde tudo é acolchoado, não há móveis duros nem ângulos, e o corpo, onde quer que pouse, encontra a elasticidade mole duma almofada.

Decerto, o melhor era as suas manhãs em casa do tio Esguelhas. Mas tinha outros regalos. Comia bem: fumava caro numa boquilha de espuma: toda a sua roupa branca era nova e de linho: comprara alguma mobília: e não tinha, como outrora, embaraços de dinheiro porque a Sra. D. Maria da Assunção, a sua melhor confessada, lá estava com a bolsa pronta. Sobretudo, ultimamente, tivera uma pechincha: uma noite em casa da S. Joaneira, a excelente senhora, a propósito duma família de ingleses que vira passar num char-à-banc para ir visitar a Batalha, exprimira a opinião que os ingleses eram hereges.

— São batizados como nós, observara D. Joaquina Gansoso.

— Pois sim, filha, mas é um batismo para rir. Não é o nosso rico batismo, não lhes vale.

O cônego então, que gostava de a torturar, declarou pausadamente que a Sra. D. Maria dissera uma blasfêmia. O santo concílio de Trento, no seu cânone IV, sessão VII, lá determinara "que aquele que disser que o batismo dado aos hereges, em nome do Padre, do Filho e do Espírito, não é o verdadeiro batismo, seja excomungado!". E a D. Maria, segundo o santo concílio, estava desde esse momento excomungada!...