Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/496

Wikisource, a biblioteca livre

São decretos do Senhor... Para ela é até uma felicidade.

O tio Esguelhas voltou-se; e reconhecendo o pároco, por entre o véu das lágrimas que lhe alagavam os olhos, tomou-lhe a mão, quis beijar-lha. Amaro recuou:

— Então, tio Esguelhas?... Deus há-de ser misericordioso, há-de-lhe levar em conta a sua dor...

Ele não o escutava, sacudido dum pranto convulsivo, - enquanto a mulher, muito tranquilamente, limpava ora um ora outro canto do olho.

Amaro desceu; e para aliviar o bom Silvério daquele serviço excepcional, tomou o seu lugar ao pé da vela, com o Breviário na mão.

Ali ficou até tarde. A vizinha ao sair veio dizer-lhe que o tio Esguelhas tinha pegado a dormir; e ela prometia voltar com a amortalhadeira, mal rompesse a manhã.

Toda a casa então ficou naquele silêncio, que a vizinhança do vasto edifício da Sé fazia parecer mais soturno; só às vezes um mocho piava debilmente nos contrafortes, ou o grosso bordão batia os quartos. E Amaro, tomado dum indefinido terror, mas preso ali por uma força superior da consciência sobressaltada, ia precipitando as orações... Às vezes o livro caia-lhe sobre os joelhos; e então, imóvel, sentindo por detrás a presença daquele cadáver coberto do lençol, recordava, num contraste amargo, outras horas em que o sol banhava o pátio, as andorinhas esvoaçavam, e ele e Amélia subiam rindo para aquele quarto onde agora, sobre a mesma cama, o tio Esguelhas dormitava com soluços mal acalmados...