Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/514

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noite antecedente, estava toda sossegada, toda em virtude, a rezar a S. Francisco Xavier - e de repente, nem ela soube como, pôs-se a pensar como seria S. Francisco Xavier nu em pêlo!

O bom Ferrão não se moveu, atordoado. Enfim, vendo-a olhar ansiosa para ele à espera das suas palavras e dos seus conselhos, disse:

— E há muito que sente esses terrores, essas dúvidas...?

— Sempre, senhor abade, sempre!

— E tem convivido com pessoas que, como a senhora, são sujeitas a essas inquietações?

— Todas as pessoas que conheço, dúzias de amigas, todo o mundo... O inimigo não me escolheu só a mim... A todos se atira...

— E que remédio dava a essas ansiedades de alma...?

— Ai, senhor abade, aqueles santos da cidade, o senhor pároco, o Sr. Silvério, o Sr. Guedes, todos, todos nos tiravam sempre de embaraços... E com uma habilidade, com uma virtude...

O abade Ferrão ficou calado um momento: sentia-se triste, pensando que por todo o reino tantos centenares de sacerdotes trazem assim voluntariamente o rebanho naquelas trevas de alma, mantendo o mundo dos fiéis num terror abjeto do Céu, representando Deus e os seus santos como uma corte que não é menos corrompida, nem melhor, que a de Calígula e dos seus libertos.

Quis então levar àquele noturno cérebro de devota, povoado de fantasmagorias, uma luz mais alta e mais larga. Disse-lhe que todas as suas inquietações vinham da imaginação torturada