Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/592

Wikisource, a biblioteca livre

estojo, mas lembrando-lhe a pergunta ansiosa do abade:

— Tem convulsões, disse.

O abade então deteve-o à porta, e muito grave, muito digno:

— Doutor, se há perigo, peço-lhe que se lembre... É uma alma cristã em agonia, e eu estou aqui.

— Certamente, certamente...

O abade tomou a ficar só, esperando. Tudo dormia na Ricoça, D. Josefa, os caseiros, a quinta, os campos em redor. Na sala, um relógio de parede, enorme e sinistro, que tinha no mostrador a carranca do sol e em cima sobre o caixilho a figura esculpida em pau de uma coruja pensativa, um móvel de castelo antigo, bateu meia-noite, depois uma hora. O abade a cada momento ia até ao meio do corredor: era o mesmo rumor de pés numa luta; outras vezes um silêncio tenebroso. Voltava então para o seu Breviário. Meditava naquela pobre rapariga que, além no quarto, estava talvez no momento que ia decidir da sua eternidade: não tinha ao pé nem a mãe, nem as amigas: na memória apavorada devia passar-lhe a visão do pecado: diante dos olhos turvos aparecia-lhe a face triste do Senhor ofendido: as dores contorciam o seu corpo miserável: e na escuridão em que ia penetrando, sentia já o hálito ardente da aproximação de Satanás. Temeroso fim do tempo e da carne! - Então rezava fervorosamente por ela.

Mas depois pensava no outro que fora uma metade do seu pecado, e que agora na cidade, estirado na cama, ressonava tranquilamente. E rezava então também por ele.