Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/91

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uma voz fanhosa, vinha todos os dias, como amigo da casa. Amélia chamava-lhe padrinho. Quando ela voltava da mestra, à tarde, encontrava-o sempre a palestrar com a mãe, na sala, de batina desabotoada, deixando ver o longo colete de veludo preto com raminhos bordados a amarelo. O senhor chantre perguntava-lhe pelas lições e fazia-a dizer a tabuada.

À noite havia reuniões: vinha o padre Valente; o cônego Cruz; e um velhito calvo, de perfil de pássaro, com óculos azuis, que fora frade franciscano e a quem chamavam frei André. Vinham as amigas da mãe, com as suas meias; e um capitão Couceiro, de caçadores, que tinha os dedos negros do cigarro e trazia sempre a sua viola. Mas às nove horas mandavam-na deitar; pela frincha do quarto ela via a luz, ouvia as vozes; depois fazia-se um silêncio, e o capitão, repenicando a guitarra, cantava o lundum da Figueira.

Foi assim crescendo entre padres. Mas alguns eram-lhe antipáticos: sobretudo o padre Valente, tão gordo, tão suado, com umas mãos papudas e moles, de unhas pequenas! Gostava de a ter entre os joelhos, torcer-lhe devagarinho a orelha, e ela sentia o seu hálito impregnado de cebola e de cigarro. O seu amiguinho era o cônego Cruz, magro, com o cabelo todo branco, a volta sempre asseada, as fivelas luzidias; entrava devagarinho, cumprimentando com a mão sobre o peito, e uma voz suave cheia de ss. Já então sabia o catecismo e a doutrina: na mestra, em casa, por qualquer "bagatela", falavam-lhe sempre dos castigos do Céu; de tal sorte que Deus aparecia-lhe como um ser que só sabe dar o sofrimento e a morte, e que