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Sérgio Branco

De modo geral, a doutrina aponta o Estatuto da Rainha Anna como a primeira lei a disciplinar de fato os direitos autorais no mundo. Aprovado em 1710, um de seus mais relevantes efeitos foi uniformizar o prazo de proteção atribuído aos editores: a exclusividade na exploração econômica da obra se daria pelo prazo de 14 ou 21 anos, a depender do caso[1]. Este, portanto, o primeiro prazo verdadeiramente tido como de proteção às obras autorais, após o qual entram estas no domínio público[2].

Segundo José Henrique da Rocha Fragoso, “[o] objetivo era claro: combater a contrafação e proteger os interesses, acima de tudo, do comércio legal de livros e outros escritos, estabelecendo pena para quem publicasse, importasse ou colocasse à venda obra sem consentimento do proprietário (não do autor, necessariamente), aqui se entendendo como o adquirente do direito de reprodução (copyright), ou como mais tarde veio a se consolidar, inclusive na legislação norte-americana, o chamado copyright owner[3].

Enquanto na Inglaterra o direito de autor começava a ser concebido a partir dos privilégios dados aos editores, na França a proteção delineada no final do século XVIII terá como resultado o surgimento do chamado droit d’auteur. É somente a partir daí, portanto, que se torna de fato possível passarmos a vislumbrar de verdade o conceito de domínio público como atualmente compreendido – o fim do prazo de proteção conferido originariamente ao autor[4].

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  1. O prazo de 14 anos era conferido às obras ainda não publicadas, podendo ser prorrogado por outros 14 anos, e o de 21 àquelas já publicadas no momento da edição do Estatuto. Texto original disponível em http://www.copyrighthistory.com/anne.html. Acesso em 03 de junho de 2010. Citados por Ronald Bettig, Ploman e Hamilton sintetizam o disposto no Estatuto da Rainha Ana da seguinte forma: “[o] Estatuto dizia respeito ao direito de copiar e nada mais. A proteção conferida era contra a pirataria de trabalhos impressos. Não havia nada no Estatuto que dissesse respeito a direitos morais ou sobre a inventividade do autor. O direito protegido era o direito de propriedade”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[t]he Statute concerned the right to copy and no more. The protection afforded was against the piracy of printed works. There was nothing in the Statute that touched upon the creative or moral rights of the author. The right protected was a property right”. BETTIG, Ronald V. Copyrighting Culture – The Political Economy of Intellectual Property. Cit.; p. 23.
  2. Segundo Mark Rose, foi quando do surgimento do Estatuto da Rainha Ana que se passou a ter um verdadeiro domínio público na Inglaterra. Contudo, não foi senão em 1774, com o julgamento do caso Donaldson v. Becket que a Câmara dos Lordes decidiu que a “propriedade literária” estava limitada nos termos do Estatuto. Pela primeira vez, obras clássicas estavam livres para serem impressas por qualquer pessoa. ROSE, Mark. Nine-Tenths of the Law: the English Copyright Debates and the Rhetoric of the Public Domain. Law and Contemporary Problems. Vol. 66, 2003; p. 77. Disponível em http://www.law.duke.edu/shell/cite.pl?66+Law+&+Contemp.+Probs.+75+%28WinterSpring+2003%29. Acesso em 10 de julho de 2010.
  3. FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral – Da Antiguidade à Internet. Cit.; p. 52.
  4. Stéphanie Choisy menciona que é possível encontrarmos um certo tipo de domínio público na Roma antiga, na medida em que os cessionários de um manuscrito (uma biblioteca, por exemplo) poderiam livremente reproduzi-lo. E uma vez reproduzidos, terceiros poderiam por sua vez reproduzir as obras, já que os cessionários não gozariam de qualquer monopólio legal. “Pode-se ver em Roma um domínio público constituído das obras que, comunicadas ao público pelo autor ou por seu cessionário, perdem suas características de res privatae e podem ser livre e gratuitamente exploradas por todos. Pode-se concluir não por um reconhecimento explícito, mas por uma certa percepção do domínio público nessa época. No entanto, não foi senão após a descoberta da imprensa que surgiu o domínio público tal qual o conhecemos atualmente”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[l]’on peut donc voir à Rome un domaine public constitué des oeuvres qui, communiquées au public par l’auteur ou son cessionaire, perdent leur caractere de res privatae et peuvent être librement et gratuitement exploitées par tous. L’on peut conclure, non pas à une reconnaissance explicite, mais à une certaine perception du domaine public à cette époque. Cependant, ce n’est qu’après la découverte de l’imprimerie, que le domaine public, tel que nous le connaissons aujourd’hui, a été mis en place”. CHOISY, Stéphanie. Le Domaine Public en Droit d’Auteur. Cit.; pp.5-6.