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É significativo o fato de que a sistemologia tenha sido criada primeiro pelos comparatistas, quase como produto ulterior em relação às suas construções comparativas, voltadas a cada um dos institutos. Por que as coisas ocorreram deste modo? A resposta é simples. O jurista envolvido com um só sistema depara-se sempre com os mesmos dados sistemológicos, razão pela qual é menos propenso a percebê-los, individualizá-los e denunciá-los. Estes fazem parte das coisas ‘óbvias', que se mantêm subentendidas e não merecem uma menção. Inobstante a sua enorme relevância, permanecem na área dos criptotipos, até que o comparatista, movido pelas diferenças de mentalidade que encontra em ambientes jurídicos diversos, empreende a obra necessária para descrever estas diferenças, e, com isto, descreve os sistemas.
 

Por isso nos dedicamos a traçar estas linhas sobre direito comparado: acreditamos que a experiência internacional, em tema tão pouco discutido, pode nos ajudar a construir de maneira mais sólida uma doutrina sobre o domínio público no direito autoral brasileiro.

René David aponta as vantagens do direito comparado para a compreensão de determinado instituto do ordenamento jurídico quando confrontado com outros ordenamentos ou compreendido em si mesmo[1]:

 
De que valem as nossas distinções de direito público e direito privado, de civil e de comercial, de direito imperativo e supletivo, de lei e regulamento, de direitos reais e de direitos de crédito, de móveis e imóveis? Aquele que apenas estudar o direito francês considera estas oposições naturais e é tentado a atribuir-lhes um caráter necessário. O direito comparado faz-nos ver que não são aceitas em toda a parte, que podem estar em declínio ou mesmo ter sido abandonadas em certos países; mais que a sua origem, o direito comparado nos leva a nos interrogarmos sobre a sua justificação e o seu alcance reais no sistema do nosso direito nacional atual.

O mesmo sucede aos conceitos utilizados no nosso direito: também neste caso o direito comparado contribuiu para modificar a atitude que tende a atribuir a estes conceitos um caráter de necessidade, e que, em certas épocas ou em certos países, esteve pronta a sacrificar à sua coerência lógica os interesses que o direito, em última análise, está destinado a servir.
 

Mas seu fim último mesmo (pelo menos assim nos parece) é sistematizar a comparação. Em sua gênese, os sistemas jurídicos se valem de outros sistemas, já que o direito está sempre imitando a si mesmo. Há imitações de leis (o Código Napoleônico e o BGB alemão serviram de matéria prima para diversos outros códigos), há imitações de doutrina (“[a] doutrina alemã do século XIX difundiu os seus modelos na Escandinávia, na Rússia, na Hungria, na Romênia e Bulgária, na Eslovênia e Croácia, na Itália, Espanha e América de língua espanhola”[2]) e, em menor escala, imitações judiciais.


  1. DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Cit.; p. 6.
  2. SACCO, Rodolfo. Introdução ao Direito Comparado. Cit.; p. 171.