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Sérgio Branco

brincadeiras que ficaram conhecidas como folclore e onde, geralmente, não havia diferença entre quem estava no palco e na platéia”[1].

Mas vivemos também tempos de incerteza. O direito autoral é um ramo razoavelmente recente dentro da ciência jurídica. Forjado entre os séculos XVIII e XIX, consolidou-se no século XX, valendo-se de modelos de negócio que dependiam da materialidade do suporte (como livros em papel, fitas de VHS e fitas K7, entre outros). Com o advento da internet e da cultura digital, as certezas foram abaladas, os intermediários tornaram-se muitas vezes dispensáveis e agora a indústria cultural precisa se reinventar para sobreviver. Não é a primeira vez que isso acontece e provavelmente também não será a última.

A parte boa dessa história é que os direitos autorais passaram a ser debatidos por toda a sociedade, já que o tema agora interessa a todos. Nos últimos anos, inúmeras foram as obras publicadas por professores dedicados a repensar a matéria sem se prender a dogmas e sem reproduzir o discurso que hoje repercute anacrônico e inadequado aos tempos em que vivemos. Carlos Affonso Pereira de Souza, Ronaldo Lemos, Bruno Lewicki e Allan Rocha são alguns desses novos autores que repensam os direitos autorais a partir das necessidades e das peculiaridades contemporêneas.

Esta é a proposta da tese que hoje vira livro. Apesar de seu tema principal ser discutir o domínio público no direito autoral brasileiro, é impossível cumprir a contento com esta missão sem rever boa parte da teoria dos direitos autorais. Afinal, a análise do domínio público não se limita a apontar os prazos de proteção de uma obra e os efeitos do esgotamento dos direitos autorais patrimoniais. O domínio público intercepta muitas outras área do direito civil – direitos de personalidade, contratos, sucessões, consumidor, para ficarmos com algumas – sendo admirável que, diante de sua importância estrutural na economia e na cultura, tenha sido tão pouco estudado.

Apesar de se tratar de um trabalho acadêmico, a redação deste livro procurou harmonizar rigor técnico com clareza. O mundo jurídico é visto (não sem razão) como que tomado por um hermetismo desnecessário. Procurei, assim, seguir o lema de José Ortega y Gasset: “a clareza é a gentileza do filósofo”. De resto, concordo com Gustavo Bernardo, que afirma que “a clareza deveria ser antes a obrigação do filósofo – sua gentileza seria o humor, necessário para resistir a toda reificação e dogmatização”[2]. Se um trabalho acadêmico jurídico se presta muito pouco ao humor, pelo menos procurei ser, o quanto pude, claro.

Caso o leitor entenda que, ao contrário de minhas expectativas, a clareza não é exatamente uma das características deste trabalho, poderá ele próprio suprir-lhe tal deficiência. Assim como qualquer outra que venha a encontrar. Este o objetivo máximo deste livro. Uma das principais incoveniências de uma pesquisa acadêmica é ter que começar


  1. Disponível em http://hermanovianna.wordpress.com/.
  2. BERNARDO, Gustavo. O Livro da Metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010; p. 27.
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