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Sérgio Branco

II.

 

A narrativa acima pode, apesar de breve, ser bastante elucidativa acerca do propósito desta tese. O domínio público[1], verdadeiro manancial cultural de qualquer civilização, é certamente bem pouco compreendido no Brasil. Até onde pudemos averiguar, não há obras acadêmicas dedicadas a lhe traçar os contornos ou explicar seu fundamento – social, econômico ou jurídico. Mesmo internacionalmente o tema é muito pouco explorado, resultando em trabalhos escassos e incompletos.

Em uma análise sucinta dos fatos narrados acima – e pressupondo a precisão de todas as informações prestadas, algumas observações podem ser bastante interessantes. Vejamos:

A lei brasileira de direitos autorais (Lei 9.610/98, doravante “LDA”) data de 1998 e prevê que as obras protegidas em seu âmbito geram para seu autor o surgimento de dois feixes de direitos tão logo uma obra protegida por direitos autorais seja criada: os de natureza moral e os de natureza patrimonial. Os primeiros têm por objetivo primordial vincular o autor à sua criação, tendo natureza extrapatrimonial. Já os direitos ditos patrimoniais são aqueles que autorizam a exploração econômica da obra criada. Por diversos motivos, que serão a seguir discutidos, os direitos patrimoniais vigoram por determinado período, ao fim do qual se extinguem. O tempo padrão de vigência dos direitos autorais patrimoniais no Brasil é hoje de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do autor[2].

No entanto, não é este o prazo de proteção de que gozam os fotógrafos. De acordo com o art. 44 da LDA, “o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de 70 (setenta) anos, a contar de 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação” (grifamos). Isso significa, portanto, que fotografias publicadas em 1937 estariam, de acordo com o previsto na LDA, aparentemente fora do âmbito de proteção dos direitos autorais (patrimoniais) desde 2008.

Quais as consequências dessa ausência de proteção? Expirado o prazo previsto na LDA, as obras ingressam no domínio público. Em uma concepção introdutória do instituto, podemos dizer que o domínio público representa o fim dos direitos patrimoniais do autor, normalmente em razão de ter sido atingido o prazo previsto em lei. Em outras palavras, as obras podem ser utilizadas por toda a sociedade independentemente de licença por parte de seus autores originais, seus sucessores ou outros titulares de direitos autorais. Isso inclui o uso comercial e não há qualquer distinção legal quanto ao uso que se pretenda dar às obras até então protegidas.

Podemos então afirmar que as fotografias por que Verena Kael havia se interessado estão em domínio público desde janeiro de 2008 e que a Biblioteca Nacional não se deu

2
  1. Referimo-nos exclusivamente ao domínio público relativo aos direitos autorais, não àqueles relacionados ao direito administrativo, como elucidaremos adiante.
  2. LDA, art. 41.