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(d) obras conferidas voluntariamente ao domínio público

A LDA não é explícita neste particular. Pode um autor voluntariamente dedicar sua obra ao domínio público? Por se tratar de hipótese essencialmente distinta das demais (que cuidam do domínio público legal, enquanto esta diz respeito ao domínio público voluntário), vamos nos referir a ela em seção própria, a seguir.

 

3.2.2. O Domínio Público Voluntário

 

Conforme analisado no item anterior, a LDA determina diversas hipóteses em que uma obra pode ingressar no domínio público. No entanto, a LDA não prevê expressamente a possibilidade de uma obra entrar em domínio público por conta da vontade do autor[1]. A primeira indagação que se deve fazer é: faz sentido alguém dedicar uma obra intelectual ao domínio público? O ingresso voluntário da obra no domínio público não iria contra todo o esforço de se proteger as obras autorais construído ao longo dos dois

últimos séculos? Por que alguém desejaria destinar sua obra ao domínio público?

No capítulo 1, tivemos a oportunidade de tratar brevemente da restritividade da lei brasileira (item 1.3.3). Nos termos da LDA, as obras intelectuais são protegidas (se protegidas) independentemente da vontade do autor e mesmo contra a sua vontade. Um autor pode ter interesse em ver sua obra circular livremente, pode querer abrir mão do direito de autorizar individualmente a reprodução de sua obra, pode, em síntese, querer que ela possa ser acessada e distribuída na íntegra, diferentemente do que a LDA prevê como padrão.

A hipótese não é descabida. O homem sempre criou, independentemente de leis que assegurem monopólios e independentemente da percepção de lucro pela exploração econômica da obra. Shakespeare, Dante, Chaucer, Cervantes, Montaigne, Milton, Gil Vicente, Bocage e Padre Antônio Vieira, entre muitos outros que poderíamos citar, criaram obras-primas da literatura sem que houvesse, à época, qualquer proteção a direitos autorais. Se o monopólio existe para estimular a criação, não é, entretanto, condição sine qua non para esta. Ademais, a internet veio, em meados dos anos 1990, pôr à prova não apenas o papel dos direitos autorais como de todos os modelos de negócio de cultura consolidados no século XX. Até os anos 1980, a produção e a difusão da cultura de massa eram controladas, exclusivamente, pelos grandes conglomerados da mídia. À sociedade apenas se permitia acessar aqueles bens físicos que eram tornados disponíveis por quem detinha o controle da obra. Depois do ingresso da obra original no mercado, sua reprodução não autorizada era quase sempre difícil de ser obtida, muitas vezes a qualidade era baixa e

não raro o custo era alto[2].


  1. 184
  2. 185

184 Não causa espanto o silêncio da LDA. O tema é, de fato, tão pouco debatido, que uma busca no Google com os termos “domínio público voluntário” e “domaine public volontaire”, que abrangeriam resultados em português, em espanhol e em francês, não apresenta nem mesmo 20 resultados para cada um dos termos pesquisados.

185 Até o início dos anos 1990, LPs e fitas de vídeo cassete eram copiadas apenas em outras fitas, K7 ou de vídeo, sendo que a qualidade da cópia era muitas vezes sofrível e seu desgaste se dava com bastante rapidez. Além disso, seria