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Sérgio Branco

parcelas e intervalos de tempo acordados no contrato”[1]. Finalmente, ao comentar cláusulas contratuais abusivas inseridas nos instrumentos contratuais por parte das gravadoras, afirma[2]:

 
As editoras incluem nos contratos cláusulas que são verdadeiras violações ao direito autoral – e mesmo ao direito civil lato sensu – tendo como objetivo: (i) a propriedade definitiva das obras; (ii) a retenção ilegal do repertório; e (iii) a concessão de adiantamento ou ‘advance’ como maneira de garantir uma ausência de risco do investimento. O primeiro dos atos praticados pelas editoras é o fato de que, a partir da cessão ou edição das obras, passam a exercer a propriedade definitiva das mesmas. Ocorre que a editora musical, que em verdade contrata com o compositor a administração de seu repertório, para fazer crescer a assimilação deste, pretende tornar-se proprietária eterna das composições dos cedentes.
 

Como observado, a sentença menciona, quanto às obras objeto da disputa judicial, (i) a propriedade dos respectivos direitos autorais, (ii) a transferência de sua propriedade, (iii) a propriedade definitiva dos bens (no caso, a composição musical) e até mesmo (iv) sua propriedade eterna. Em nenhum momento, entretanto, faz-se referência ao termo “propriedade intelectual”, nem tampouco é referida qualquer de suas peculiaridades. O direito autoral é tratado, aqui, como qualquer outra propriedade. Como a propriedade terrena. Ou como a propriedade de bens tangíveis móveis. A sentença se limita a definir os direitos autorais como objeto de “propriedade”.

Sendo assim, indagamos: é adequado tratarmos os bens protegidos por direito autoral como objeto de propriedade? Fazer a distinção entre a propriedade física e a imaterial é, de alguma forma, necessária (ou útil)? Existe um instituto jurídico a que devemos denominar propriedade capaz de abranger todos os bens passíveis de serem objeto de apropriação?

A ideia de propriedade é, em primeiro lugar, intuitiva. Desde a pré-história, o homem é capaz de formular o conceito de que algo é seu, de que lhe pertence[3]. E apesar de seu conceito variar “conforme o sistema político [em] que esteja inserido e, também, sem dúvida de acordo com a ordem jurídica vigente em cada momento histórico de cada povo”[4], a verdade é que a compreensão do que vem a ser propriedade é algo humano. Até mesmo as crianças, ainda que de maneira imprecisa, possuem essa percepção.

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  1. Grifamos. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-mar-07/roberto-carlos-erasmo-carlos-ganham-direitos-autorais-musicas?pagina=3. Acesso em 15 de fevereiro de 2010.
  2. Grifamos. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-mar-07/roberto-carlos-erasmo-carlos-ganham-direitos-autorais-musicas?pagina=4. Acesso em 15 de fevereiro de 2010.
  3. Alguns autores afirmam que a ideia de propriedade surge apenas quando o homem deixa de viver em um mundo de abundância (enquanto nômade) para viver em um mundo de escassez (decorrente de sua afixação em determinado lugar). Ver, entre outros, PROUDHON, J. P.. Que é a Propriedade? Estudos sobre o Princípio do Direito e do Estado. São Paulo: Edições Cultura Brasileira; p.64.
  4. TORRES, Marcos Alcino. O impacto das novas ideias na dogmática do Direito de Propriedade. A multiplicidade dominial. Transformações do Direito de Propriedade Privada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 102.