Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/263

Wikisource, a biblioteca livre

Finalmente, indagamos: mas por que alguém dedicaria sua obra ao domínio público?[1] Parece-nos que são vários os motivos. De pronto, conforme mencionado anteriormente, lembramos o fato de vivermos uma fase de criação colaborativa, com a redefinição do papel do autor individual. Além disso, podemos citar[2]:

 

(i) alguns criadores não têm interesse na exploração econômica de sua obra e, em troca, buscam outras metas: autopromoção, divulgação de ideias, contribuição com o bem comum;

(ii) o uso das obras permite o desenvolvimento de modelos de cooperação que favorece aqueles que cooperam;

(iii) o uso público das obras é um método de criação, como se dá com a Wikipedia;

(iv) o interesse geral justifica que determinadas obras, como as científicas, sejam publicamente acessíveis.

 

3.3. Função do Domínio Público

 
 

3.3.1. A Funcionalização dos institutos

 

A concepção de função social não é recente[3]. Ainda assim, “[s]e aplicarmos à teoria do direito a distinção entre abordagem estruturalista e abordagem funcionalista,



  1. 234
  2. 235
  3. 236

234 O fenômeno já vem se verificando e por isso não pode ser ignorado. A internet facilita a difusão de canais para obras em domínio público voluntário serem publicadas. Algumas obras audiovisuais licenciadas em Creative Commons se iniciam com o texto: “no limite permitido em lei, [nome] renunciou a todos os direitos autorais, direitos morais, direitos a bases de dados e quaisquer outros direitos que possam ser alegados sobre o filme que se segue”. Parecenos que é o quanto basta para que o autor demonstre de modo irrefutável seu desejo de dedicar a obra ao domínio público. Ver, entre outros, websites como Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Category:All_user-created_public_domain_images) e Vimeo (http://vimeo.com/publicdomain), que contam com seções específicas onde obras em domínio público voluntário podem ser encontradas.

235 REBOLLO, César Iglesias. Software Libre y Otras Formas de Domínio Público Anticipado. Cit.; p. 201.

236 John Locke, em seu “Segundo Tratado sobre o Governo”, já havia atentado para os benefícios da boa utilização da terra. Ainda que seu objetivo fosse, em última análise, justificar a propriedade a partir do trabalho, vale citá-lo quando sua construção parece aplicar-se tão bem às discussões hoje em dia travadas acerca da produtividade rural e sua respectiva função: “[a]ntes de refletirmos com atenção, poderá parecer estranho que a propriedade do trabalho seja capaz de contrabalançar o valor da terra comunitária; na realidade, é o trabalho que provoca a diferença de valor nas coisas que nos rodeiam. Consideremos a diferença que existe entre um acre de terra plantado com fumo ou cana-de-açúcar, semeado de trigo ou cevada e um acre da mesma terra comunitária sem qualquer cultura, e verificaremos que a melhoria devida ao trabalho constitui a maior parte do valor respectivo. Acho que será cálculo bem cauteloso afirmar que, dos produtos da terra úteis à vida do homem, nove décimos são devidos ao trabalho; ainda mais, se avaliarmos corretamente aquilo que nos chega às mãos para nosso uso e calcularmos os diversos custos correspondentes, tanto o que se deve apenas à natureza quanto o que é gerado pelo trabalho, verificaremos que em muitos deles noventa e nove centésimos têm de ser atribuídos ao trabalho”. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 45. A partir de uma evidente influência religiosa, que perpassa toda a obra de Locke, o autor irá ainda alertar para o fato de que, mesmo que o trabalho possa justificar a propriedade — já que aquele que se dedica a determinada colheita tem o direito de dela se tornar proprietário em razão de seu trabalho —, o trabalhador teria que ter o cuidado de usufruir a colheita antes que esta se estragasse, “para não tomar para si parte maior do que lhe cabia, com prejuízo de terceiros”. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Cit.; p. 48. O mesmo fundamento busca Rousseau, ao indagar: “[i]gnorais que uma multidão de vossos irmãos perece ou sofre da necessidade daquilo que tendes demais, e que precisaríeis de um consentimento expresso e unânime do gênero humano para vos