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O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

Marcos Alcino de Azevedo Torres parte da determinação legal do art. 1.228 do CCB para afirmar que “a despeito de tudo que se tem escrito a respeito, não é possível identificar todas as possibilidades de atuação do titular, resumindo as principais formas na faculdade de usar, gozar, dispor de alguma coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou obtenha, para guardar correspondência com o novo código civil”[1]. A seguir, comenta:

 
A série de faculdades consagradas no titular está representada pelos verbos acima e correspondem ao conteúdo econômico, ou elemento interno do direito de propriedade e o direito de reaver a coisa, o seu conteúdo jurídico, ou elemento externo. Contudo, ninguém ignora, a literatura assim demonstra, que o direito de propriedade “mudou de roupa”, ou pelo menos tem tentado mudar, incrustado que está o “germe da transformação”, em que pese muitos não perceberem ou agirem com indisfarçável indiferença.
 

Ora, até aqui viu-se que o CCB não define o que vem a ser propriedade, embora esta possa ser considerada um direito real complexo, absoluto, perpétuo, exclusivo, que outorga a seu titular o exercício de amplos poderes sobre determinada coisa. Esses poderes incluem as faculdades de usar a coisa, bem como dela gozar e dispor, além de poder reavê-la de quem a injustamente possua ou detenha. Mas nem todas essas considerações bastam para entendermos o que vem a ser o direito de propriedade.

Inicialmente, porque a propriedade é um conceito que varia com o tempo. A seguir, porque a doutrina vem pregando, já há alguns anos, a ideia de que não podemos considerar a propriedade como um instituto de definição única. Finalmente, porque a análise da propriedade necessariamente perpassa por elementos não exclusivamente jurídicos[2].

Como se sabe, com o resultado da ascensão da burguesia ao poder europeu no final do século XVIII, tornou-se imperativo organizar juridicamente as conquistas burguesas. Dessa forma, durante o século XIX (chamado não por outro motivo de “mundo dos códigos”[3]), o mundo viu surgir diversos códigos regulando a propriedade, sendo o primeiro deles o Código francês (ou Código Napoleônico) de 1804.

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  1. TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A Propriedade e a Posse – Um Confronto em torno da Função Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 115.
  2. “Fonte de riqueza e de poder, inviolável e sagrada, essencial e natural segundo a Declaração da Virgínia de 1776, natural e imprescritível segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França, odiada por uns, acusada de todos os males, amada, cobiçada por outros, a propriedade ou o direito de propriedade é um tema eriçado, não importa a conformação que tome, a questão envolve sempre seu uso, distribuição, enfim, o acesso aos bens que se podem tornar próprios ou que possam permitir uma melhor condição de vida para o cidadão, não importa o regime político em que viva, o que importa é que a cada tempo vem-se reinterpretando a propriedade”. TORRES, Marcos Alcino. O impacto das novas ideias na dogmática do Direito de Propriedade. A multiplicidade dominial. Cit., p. 84.
  3. “De acordo com IRTI, o sentido de segurança surgiu das estruturas profundas da sociedade. A exigência de estabilidade, ou de previsibilidade, quanto aos comportamentos individuais passou a ser o pressuposto intrínseco das relações jurídicas, na medida em que a burguesia francesa, vitoriosa da Grande Revolução, se tornara a nova classe dirigente, portadora da tábua de valores na qual toda a sociedade foi chamada a reconhecer-se. O ‘mundo da segurança’ é, portanto, o ‘mundo dos códigos’, os quais consubstanciam, em ordenada sequência de artigos, os valores do liberalismo do pacífico século XIX”. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; p. 65.