Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/32

Wikisource, a biblioteca livre
Sérgio Branco
 
A propriedade, direito subjetivo por excelência na época contemporânea, é uma construção social. Construção que se expressa na vitória dos movimentos revolucionários liberais que culminaram com a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 26 de agosto do mesmo ano. Neles triunfa a ideia de propriedade como direito subjetivo, fruto maior da liberdade do homem. Mas também essa propriedade, culminante e absoluta nos Oitocentos, de características sumamente individualísticas, tem de se conformar à nova realidade social, na qual a irrupção das necessidades de uma sociedade de massas hipercomplexa torna necessárias mudanças profundas nesse direito. Não há que se falar mais em propriedade, mas sim em propriedades (cada qual com a diversidade de sua função).
 

No século XX, a propriedade passou a ser compreendida dentro de outros parâmetros. Não se concebia mais a visão oitocentista de propriedade absoluta. A doutrina passou a encarar a propriedade como uma realidade funcionalizada. E já não é mais possível falar em um conceito único de propriedade. Se são diversas as propriedades, cada uma com sua função, precisamos analisar as diversas propriedades para entender como os direitos autorais se adequam – se é que se adequam – a este cenário.

 

1.1.2. As diversas propriedades

 

O direito de propriedade faz parte do direitos das coisas[1], sendo classificado como um dos direitos subjetivos[2]. Para Gustavo Tepedino, entretanto, “[a] classificação central que deve ser estabelecida, para a interpretação e aplicação das normas jurídicas, é a que estrema as relações jurídicas patrimoniais, constituídas por situações jurídicas economicamente mensuráveis, e as relações jurídicas não patrimoniais, formadas por situações jurídicas insuscetíveis de avaliação econômica, caracterizadas por interesses não patrimoniais ”[3]. Como se verá, tal distinção será crucial na análise dos direitos autorais, por conta do traço distintivo entre os direitos morais e patrimoniais do autor.


  1. Nomenclatura adotada pelo CCB, em seu Livro III da Parte Especial, para tratar dos direitos reais. Por direitos das coisas “designa-se tradicionalmente a categoria das relações jurídicas que regula a apropriação e a utilização dos bens jurídicos por parte dos homens ”. TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais: esboço de uma introdução. Temas de Direito Civil II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; p. 135. Quanto à distinção dos direitos reais para os obrigacionais, leciona o autor: “[p]or regularem o aproveitamento econômico dos bens, os direitos reais têm por objeto as coisas apropriáveis ou suas utilidades (bem jurídico da relação real), postas à disposição do seu titular. Já os direitos de crédito têm por objeto (bem jurídico da relação obrigacional) a prestação a ser cumprida pelo devedor, de cujo desempenho resultará na coisa pretendida pelo credor (bem jurídico que almeja incorporar ao seu patrimônio). Daí inclusive a etimologia da palavra crédito, proveniente da síntese latina creditum (de credere), associada à confiança, a indicar a fidúcia depositada no devedor com vistas à satisfação do vínculo obrigacional ”. TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais: esboço de uma introdução. Cit. ; pp. 138-139.
  2. Para Orlando Gomes, os direitos subjetivos admitem diversas classificações, tais como (i) quanto à eficácia (absolutos ou relativos); (ii) quanto ao conteúdo (públicos e privados); (iii) patrimoniais (reais e pessoais) e extrapatrimoniais (direitos de personalidade e direitos de família) etc. GOMES, Orlando. Introdução do Direito Civil. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2002; pp. 112-113.
  3. Grifos no original. TEPEDINO, Gustavo. Teoria dos bens e situações subjetivas reais: esboço de uma introdução. Cit. ; p. 137.

16