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Sérgio Branco

infindáveis) discussões abrangem, entre outros temas de interesse, que bens se encontram protegidos sob a chamada propriedade intelectual e qual sua natureza jurídica. Tratar detalhadamente cada uma dessas controvérsias seria redundante diante de tantos excelentes trabalhos que já as esmiuçaram com o devido senso crítico[1] além de excessivo para este trabalho, por lhe fugir totalmente do limite e do propósito. Por isso, vamos nos ater apenas às questões essenciais para a compreensão do liame existente entre a essência da propriedade intelectual e a construção do domínio público.

Com essa diretriz como norte, indagamos: em que medida a propriedade intelectual se aproxima e, por outro lado, se afasta, das demais propriedades? É possível inserir de fato a propriedade intelectual ao lado das demais propriedades?

A discussão não é desprovida de consequências práticas. Afinal, a lei deve disciplinar os institutos a partir das categorias a que pertencem. Se a propriedade intelectual é de fato propriedade, então estará submetida a determinadas regras jurídicas. Se não, seu regramento será outro.

Neste item, cuidaremos da propriedade intelectual como um conjunto único de bens e buscaremos compreender em que medida ela se assemelha ou não às demais propriedades – especialmente a propriedade material. No item 1.2, discutiremos sua natureza jurídica a partir de análise mais detelhada dos bens que a integram.

É certo que entre a propriedade intelectual e os demais tipos de propriedade existem diversas interseções. Desde logo, podemos citar que toda propriedade confere ao seu titular um direito absoluto, exercido erga omnes, característica que também se verifica nos bens protegidos pela propriedade intelectual.

As faculdades conferidas ao proprietário abrangem os direitos de usar, gozar e dispor da coisa, além de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha[2]. São essas as mesmas faculdades conferidas ao titular dos direitos sobre qualquer dos bens protegidos pela propriedade intelectual, ainda que pela natureza da coisa seu exercício se dê de maneira peculiar[3]. O autor de uma música ou o titular de uma patente de invenção, por exemplo, poderão sempre se valer do bem intelectual como melhor julgarem (usando a coisa, bem como dela gozando ou dispondo), especialmente no que concerne a seu aproveitamento econômico.

Finalmente, apontamos como um terceiro ponto de contato entre a propriedade intelectual e as demais propriedades o fato de o direito incidir sobre um bem

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  1. Ver, entre outros, CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit., e pelo menos no que diz respeito aos direitos autorais, CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1987.
  2. CCB, art. 1.228.
  3. Assim, “dispor” da obra imaterial terá uma conotação peculiar, que não poderá ser confundida com a possibilidade de se “dispor” de um automóvel ou de um terreno. Da mesma forma devemos entender, por exemplo, o direito de “reaver” a coisa de quem injustamente a possua, que somente fará sentido se observadas as características das obras intelectuais.