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Sérgio Branco

Por isso é que se pode afirmar que, quanto a todos os bens objeto de propriedade, existe uma potencialidade em sua apropriação, caso já não sejam de propriedade de alguém. Mas o mesmo não se dá com os bens intelectuais. Estes têm, em regra, o destino certo do domínio público. Pelo menos quanto aos direitos autorais (que são o objeto central desta tese), podemos afirmar sem erro que o domínio público é a regra, o fim a que se destinam de maneira inevitável, sendo a exclusividade que o autor (ou titular do direito) detém uma circunstância temporária.

Uma quarta distinção reside na transmissão de direitos. Todo bem objeto de propriedade pode ser transmitido, por seu titular, a terceiro. Ocorre que quando essa operação se dá com bens físicos (um automóvel, uma casa, um livro ou um animal), a transmissão do direito de propriedade põe fim a qualquer relação jurídica havida entre o proprietário anterior e o terceiro adquirente. Uma vez transferida a propriedade de determinado bem por meio de contrato de compra e venda, o vendedor fica, em regra, completamente desvinculado do bem objeto do contrato.

O mesmo não se pode dizer quanto à cessão[1] de determinados bens protegidos pela propriedade intelectual. Embora a regra não valha para todos os bens intelectuais indistintamente, em alguns casos – como nos direitos autorais –, o autor da obra gozará da prerrogativa de ter sempre seu nome vinculado à obra, mesmo após o decurso do prazo de proteção. Há, portanto, um vínculo indissolúvel entre autor e obra, independentemente da transmissão de sua titularidade.

Essa distinção, apontada eventualmente pela doutrina, não é entretanto isenta de críticas. Afinal, pelo menos no aspecto patrimonial, que alegadamente se reveste da natureza dos direitos reais, a transmissão se faz de modo absoluto. A propriedade se transmite e encerram-se os laços entre autor o obra. O vínculo remanescente decorre dos direitos morais, que não têm, certamente, natureza patrimonial.

Por isso, é possível afirmar que, ao menos no que diz respeito aos direitos autorais, existe um vínculo perene entre o titular originário e o o objeto da cessão, e que esse vínculo não encontra paralelo na propriedade de bens materiais. Não seria portanto uma distinção intrínseca aos aspectos patrimoniais do direito, mas sim relativa aos direitos morais que à obra estão vinculados.

Como é possível ver, são muitas as diferenças entre a propriedade intelectual e os demais tipos de propriedade. Daí a pergunta: até onde é possível nos afastarmos de um determinado instituto jurídico sem descaracterizá-lo? Será que diante de tantas diferenças, é de propriedade que estamos tratando quando analisamos os bens intelectuais?

Tais indagações não têm resposta fácil. Assim como não é possível submeter todos os tipos de propriedade à mesma disciplina jurídica, entendemos que não dá para tratar também a propriedade intelectual como algo composto de diversos bens sobre os quais

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  1. Diz-se que a propriedade dos bens materiais se transfere pela tradição ou pelo registro, dependendo do tipo de bem. Já a titularidade dos bens imateriais se transfere por meio da celebração de contrato de cessão.