Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/60

Wikisource, a biblioteca livre
Sérgio Branco

dos “direitos pessoais”[1]. Concordamos inteiramente com a crítica, mas continuaremos a nos referir a “direitos morais” por conta da nomenclatura adotada pela LDA.

De maneira imprecisa e pouco técnica, a LDA informa que os direitos previstos nos incisos I a IV transmitem-se aos herdeiros do autor. Ocorre que a interpretação literal do dispositivo não faz sentido. Quanto aos incisos I, e II, é certo que não se trata da transmissão do direito de o herdeiro reivindicar para si a autoria da obra do de cujus nem tampouco de ter seu nome a ela vinculado. Só pode a lei estar fazendo referência à defesa do direito do autor da obra, e não da herança propriamente dita do direito.

O mesmo se pode dizer do inciso IV, já que a LDA é expressa em afirmar que competirá ao herdeiro (que sucedeu o autor nos termos do § 1º do art. 24) defender a reputação ou a honra do autor morto caso modificações na obra venham a ferir qualquer desses direitos.

Diverso, no entanto, é o entendimento quanto ao inciso III. De fato, aqui há verdadeira transmissão do direito, já que passará a competir ao sucessor do autor decidir quanto à conveniência de publicar a obra do autor falecido ou mantê-la inédita. Acreditamos, entretanto, que esse direito apenas existe se o autor, antes de falecer, não deixou manifestada de maneira inequívoca qual sua vontade quanto ao destino a ser dado a obras eventualmente ainda inéditas. Caso haja provas do interesse do autor de não permitir a publicação de alguma(s) de suas obras, sua vontade deve permanecer soberana mesmo após sua morte.

De acordo com o texto legal, não se transmitem aos sucessores os direitos morais constantes dos incisos V, VI e VII. Mas também aqui algumas considerações devem ser feitas.

Se se tratar de obra técnica, como livros jurídicos ou de medicina, por exemplo, é natural que haja modificações autorizadas pelos sucessores a fim de atualizar as informações constantes da obra. Do contrário, seria inclusive difícil mantê-la comercialmente disponível.

Fez bem a lei em não permitir aos sucessores que possam retirar obra de circulação comercial, conforme previsto no inciso VI do art. 24. Do contrário, seria possível aos sucessores, a título de exemplo, querer ser mais conservadores do que o próprio autor da obra. Imagine-se, por exemplo, escritor de livros infantis que publique, ainda em vida, livro de contos eróticos. Após sua morte, seus sucessores poderiam invocar o inciso VI para dizer que o teor do livro de contos atenta contra a reputação ou imagem do autor falecido. Ora, se o próprio autor em vida não se furtou à publicação, não podem os sucessores retirarem a obra de circulação comercial. Seria, neste caso, fazer a vontade dos sucessores mais soberana do que a do autor.

Por outro lado, não faz sentido impedir os sucessores de terem acesso a exemplar único e raro de obra do autor falecido. Voltaremos a estes aspectos relacionados aos direitos morais no capítulo 3 desta tese.

44
  1. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 130.