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O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

Ainda que não integralmente, concordamos com os argumentos acima no sentido de que as obras protegidas por direito autoral não carregam em si apenas o aspecto patrimonial, de modo que é forçoso admitir um aspecto moral ligando a obra a seu autor.

Em síntese, o resumo apresentado por Gama Cerqueira a partir da teoria de Piola Caselli nos parece extremamente interessante, pelo que o transcrevemos na íntegra[1]:


[O] direito de autor representa uma relação de natureza pessoal, porque o objeto dêste direito constitui sob certos aspectos uma representação, ou uma exteriorização, uma emanação da personalidade do autor; representa, por outro lado, uma relação de direito patrimonial, enquanto a obra intelectual é, ao mesmo tempo, tratada pela lei como um bem econômico. O direito de autor representa, pois, um poder de domínio (potere di signoria) sôbre um bem intelectual (jus is re intellectuali), o qual, pela natureza especial dêste bem, abrange, no seu conteúdo, faculdades de ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial. Êste direito deve ser qualificado como direito pessoal-patrimonial e a denominação que mais lhe convém é a de “direito de autor”.


É importante observarmos, entretanto, que não nos parece possível encarar o direito autoral como um único direito composto de uma mescla de seus aspectos moral e patrimonial. Isso se dá, em primeiro lugar, por conta da crítica apontada por Gama Cerqueira de que, se se tratasse de um único direito pessoal-patrimonial, “[ê]ste direito seria, assim, concomitantemente, pessoal e patrimonial, e teria como objeto, ao mesmo tempo, uma pessoa e um bem patrimonial que lhe é externo: a pessoa do autor e sua obra. Segundo a doutrina do direito pessoal, o sujeito e o objeto do direito identificam-se, pois o autor é ao mesmo tempo sujeito e objeto do direito, o que é contrário à natureza das coisas e ao senso jurídico. Pela doutrina do direito pessoal-patrimonial o objeto consiste, ao mesmo tempo, na pessoa e em uma coisa incorpórea, o bem imaterial”[2].

Em segundo lugar, porque os aspectos pessoal e patrimonial têm fundamentos jurídicos distintos e sobre eles pesam regras jurídicas diversas. Dessa forma, não é possível tratarmos o direito autoral como um único direito composto de duas facetas, mas sim como o conjunto de dois feixes de direitos distintos que nascem para o autor no momento da criação da obra [3].

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  1. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 112.
  2. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 112.
  3. Gama Cerqueira entende tratar-se de um direito puramente patrimonial, “que tem por objeto a própria obra criada e consiste, essencialmente, na faculdade exclusiva de reproduzi-la e de auferir as vantagens econômicas que dela possam resultar. Ao lado desse direito, que é, pròpriamente, o direito de autor, e independente dele, subsiste o seu direito moral, que designa o conjunto dos ‘direitos especiais da personalidade que acompanham as manifestações da atividade humana de caráter patrimonial’ e que não se confundem com os direitos pessoais pròpriamente ditos. São dois direitos diferentes: um que compete à pessoa enquanto autor: outro que compete ao autor como pessoa. Não se trata nem de um direito de dupla natureza, nem de faculdades diversas de um mesmo direito, nem de aspectos diferentes de um direito único; mas de dois direitos diversos e independentes, o que explica a faculdade que tem o autor de alienar o seu direito patrimonial da maneira mais completa, conservando íntegro o relativo à sua personalidade, bem como a possibilidade de ser violado o direito de autor sem ofensa ao seu direito moral” (grifos no original). CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; p. 121.